sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Discurso da Turma de 2008

Caros colegas educadores aqui presentes

Prezados pais e demais familiares

Peço a vocês permissão para me dirigir especialmente aos meus queridos alunos

Vamos combinar uma coisa: professor fala demais, não é mesmo? Principalmente alguns que falam das sete ao meio dia, continuam falando no corredor, com quem quer que lhes dirija a palavra,sentam no banquinho perto da reprografia e continuam falando, na hora do almoço com os colegas contam mil casos e ainda voltam para falar mais um turno, até às quatro da tarde. E isso é o que a gente vê. Alguma semelhança com alguém que vocês conheçam? Mera coincidência...

Apesar dessa nossa vocação para o uso da voz, nesse fim de ano, ao pensar na mensagem que iria trazer para vocês, me vieram à lembrança as coisas que eu não falei. Nas vezes em que alguém perguntava qualquer coisa no corredor, e que eu não tinha tempo para responder porque outra turma me esperava no andar de baixo. Lembrei dos momentos em que a pergunta exigia uma resposta tão complexa, que eu preferia mudar de assunto.Reli os bilhetes que muitos me enviaram do dia do professor e pensei o quanto gostaria de comentar o que estava escrito ali, mas... o tempo passava, o programa é muito grande, e... a resposta não foi dada.

Agora não. Essa minha fala é uma resposta a algumas perguntas que, de forma diferente, talvez com outras palavras, sempre apareceram durante este ano que está findando.Muitas das perguntas foram fruto, para minha alegria, da compreensão de que a História não era apenas uma matéria a ser aprendida, mas alguma coisa que tem , e muito, a ver com a vida da gente. As respostas, espero, ficarão para todos vocês como reflexão e como lembrança desta professora, que apesar de falar tanto, gostaria de deixar mais algumas palavras gravadas nos seus corações.

A primeira pergunta que apareceu, assim que vocês começaram a me conhecer melhor foi: Professora, você é de esquerda?

Respondia que sim, mas sempre achei que era pouco. Alguns me contestavam: mas o comunismo não acabou?

Respondo agora : sim, o comunismo acabou, e acabou mal: na URSS a estrutura do Estado reproduzia a autocracia do Czar e do império russo, tal como acontece ainda na Coréia do Norte. Na China, o Partido Comunista constituiu uma oligarquia que impede a participação democrática. Em Cuba, bloqueada há mais de quatro décadas pela Casa Branca, o monopartidarismo também inibe a oxigenação da esfera política através do debate público e da organização da sociedade civil em movimentos sociais autônomos. Em muitos outros países a esquerda desmoralizou-se e esvaziou a força de suas propostas ao abraçar práticas e métodos políticos típicos de seus adversários e inimigos, trocando a ética e os princípios ideológicos pela busca pragmática de resultados.

E mesmo assim alguém pode se dizer de esquerda?

O que é ser de esquerda hoje? Para mim, é principalmente, não perder a capacidade de indignação com a injustiça Para o pensador Norberto Bobbio, a direita considera a desigualdade social tão natural quanto a diferença entre o dia e a noite. A esquerda considera-a como uma aberração a ser erradicada. O capitalismo, vigente há duzentos anos, fracassou para a maioria da população mundial. Hoje, somos mais de seis bilhões de habitantes no planeta. Segundo o Banco mundial, dois bilhões e oitocentos mil desses habitantes sobrevivem com menos de dois dólares por dia. E um bilhão e duzentos milhões, com menos de um dólar por dia.

Isso significa o fracasso do capitalismo para 2/3 da humanidade. Dele tiram proveito apenas aqueles, como nós todos aqui presentes, que tivemos a sorte de nascer numa família e numa classe social livres da ameaça letal da miséria. Injusto é permitirmos que a vida de tantos seja determinada por tão seletiva loteria e que não vejamos essa premiação com a qual fomos agraciados, como dívida social, que, de alguma forma, devemos pagar.

Ainda ouso esperar uma outra lógica na política, na qual a economia esteja sujeita aos direitos sociais; o progresso, ao desenvolvimento sustentável; as relações exteriores , ao pleno respeito à auto-determinação dos povos; e o Estado, à soberania e ao controle populares.

Também ouvi nesse ano de eleições a célebre pergunta: Professora, você acha que eu devo ir votar? Sempre respondi que sim. Por que? Porque a política é demasiado importante para ficar nas mãos de políticos profissionais e se apequenar em conchavos partidários e vaidades eleitoreiras. É a política que decide os rumos de um povo, em direção ao atraso e à barbárie ou à civilização do amor. Cabe a essa geração definir o perfil do “outro mundo possível” e escolher os meios de construí-lo. A meu ver, apenas a democracia, capaz de assegurar a todos a participação nos projetos políticos e nos bens tecnológicos, científicos e culturais, permitirá que o nosso pequeno e atribulado planeta sobreviva à destruição bélica e ambiental, favorecida pela concentração da riqueza em mãos de uma minoria em detrimento da maioria.

Nos últimos dias, veio também uma pergunta meio angustiada: Agora, que vamos entrar mesmo no mundo dos adultos, vem essa crise. O que vamos fazer diante dela? A primeira coisa que devemos nos lembrar é que não vivemos apenas numa época de mudanças; vivemos uma mudança de época. A última vez que isso aconteceu no Ocidente foi na passagem do período medieval para o período moderno, nos séculos XV e XVI. Agora, passamos do período moderno para o período denominado de pós-moderno. As coisas acontecem e se repetem e para sairmos melhores de uma crise, qualquer uma, de qualquer tipo, é preciso que vejamos nela a chance de uma nova vida. Mas há uma condição: enfatizar as forças positivas contidas na crise e ter a coragem de reformular ou inventar respostas que integrem as várias dimensões da vida. Espero que este abalo na especulação financeira traga novos paradigmas à humanidade: menos consumismo e mais modéstia no padrão de vida: menos competição e mais solidariedade entre pessoas e empreendimentos; menos obsessão por dinheiro e mais por qualidade de vida. Trabalhem e se engajem profundamente na realização de um sonho que corresponda aos desafios da crise, abertos à crítica e à auto-crítica, dispostos a aprender sempre, principalmente agora, que estarão delineando a sua vida profissional.

E finalmente, a última pergunta que me foi feita por um grupinho de meninas que estudava literatura quando entrei na sala: Professora, para você, qual a mais bela palavra da língua portuguesa? E eu fiquei de pensar e agora respondo: COMPAIXÃO. Por que? Porque é única das grandes palavras pela qual não se fere, não se tortura, não se aprisiona e não se mata ninguém...Antes, pelo contrário, ela evita tudo isso. Há outras palavras muito belas: amor, liberdade, honra, justiça... Mas todas, absolutamente todas podem ser manipuladas, podem ser lançadas como armas e causar vítimas. Por amor ao seu Deus os cruzados acenderam piras e os homens-bombas se lançam sobre inocentes. Em nome desse mesmo amor, os amantes ciumentos matam suas amadas. Os nobres maltrataram seus servos e abusaram barbaramente deles em nome de sua suposta honra. O mesmo fizeram soldados em milhares de guerras: a defesa da “Honra” nacional. A liberdade de uns pode implicar prisão e morte para outros; quanto à justiça, todos crêem tê-la do seu lado, inclusive os tiranos mais atrozes. Somente a compaixão impede esses excessos; é uma idéia que não se pode impor a sangue e fogo sobre os outros, porque nos obriga a fazer exatamente o contrário, a nos aproximarmos dos demais, a senti-los, a entendê-los. A compaixão é o núcleo do melhor que nós, seres humanos, somos capazes de ser e espero que vocês , meus queridos, a guardem com cuidado, no fundo do coração. A crença que , de alguma forma, por um mínimo que seja, eu tenha podido contribuir para isso, justifica toda minha carreira de professora de História. Muito obrigada pela homenagem!

7 comentários:

Anônimo disse...

VOCÊ É MARAVILHOSA!!!
Sentirei saudades..

Anônimo disse...

Fessôra, seu discurso e o do Zé foram as melhores partes da celebração. Faltou a parte do air bag, que me incentivou ainda mais a te aplaudir de pé! Muitas saudades vão ficar mas, muito mais do que saudades, vai ficar o ORGULHO!

Unknown disse...

Quanta emoção!
Sentirei SAUDADES!

Anônimo disse...

Eliane, vc é SÓ maravilhosa! Sua homenagem foi muito bonita, tá de parabéns mesmo! Foi realmente muito emocionante. Sentirei muita saudade! Beijão

Anônimo disse...

Lindo demais!!!

Anônimo disse...

Eliane, se teve um momento da colação que meus olhos insistiram em ficar cheios d'água foi durante seu discurso..muito tocante, sincero e verdadeiro; palavras que todos os formandos e agregados levarão para o resto da vida como aprendizado e com muito carinho. Fico feliz de ter sido aluno de uma pessoa tão sábia, sensata e sincera como você..obrigado por tudo (:

Leonardo Alves F Almeida 3E!

Monarquista disse...

Eliane, seu discurso foi lindo e emocionante! Tenha a certeza de que você é uma pessoa que vai deixar saudades em todos!